quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Sobre a romantização da China

Hoje me deparei com a seguinte matéria, compartilhada no Facebook: Jovem se recusa a ceder lugar em ônibus e apanha de idosos na China. Estive no Brasil mês passado, e uma coisa que já me havia chamado a atenção antes voltou a pipocar na minha cabeça: existe um hábito em países ocidentais - e neste caso não vou nem falar que é problema só no Brasil, porque não é - de romantizar a China e os chineses.
"Ah, porque na China as pessoas são educadas, faz parte da cultura milenar deles!" 
"Chineses é que têm respeito pelos mais velhos!" 
"Na China as pessoas são mais espiritualizadas, elas têm uma conexão com as forças da natureza…" 
"Olha só como chineses são saudáveis, vi no Globo Repórter ontem que eles vivem mais de 100 anos!"
Parem. Somente parem. Inspirem e repitam comigo: Chineses não são criaturas mitológicas saídas de contos de fada, com uma evolução espiritual e sabedoria que ultrapassam milênios. Agora expirem. Em caso de persistir a síndrome de vira-lata, repitam a operação.

Não, nem todo chinês é Confúcio.

A primeira coisa que tenho a dizer é que chineses são - ao contrário do que possam dizer as matérias que vocês leram por aí - pessoas. Humanos, de carne e osso. E, assim como em qualquer outro lugar do mundo onde existam humanos, eles também vêm em várias formas, tamanhos e personalidades. Existem, sim, chineses sábios, educados e espiritualizados, mas também existem - e provavelmente em igual proporção ao Brasilzão que vocês adoram tanto diminuir - chineses ignorantes, mal-educados e extremamente materialistas.

Para ilustrar, vou usar o exemplo da matéria que linkei lá no começo. Já andei de ônibus e metrô aqui em pelo menos 4 cidades de 4 províncias diferentes, e em todas elas a experiência foi bastante parecida com… andar de ônibus e metrô no Brasil. Os assentos preferenciais existem - e aqui eles são para idosos, deficientes, grávidas e crianças (sim, crianças, mesmo, não adultos com crianças de colo) -, mas na ausência de pessoas nestes estados o uso é livre para todos (assim como, olha só, no Brasil).

E, ao contrário do que diz a matéria citada, as pessoas utilizam, sim, estes assentos. Até porque os ônibus aqui - pelo menos em Hohhot, Beijing e Chengdu - têm menos assentos do que os ônibus em São Paulo. E, ao contrário do que diz a matéria citada, nem sempre as pessoas se levantam imediatamente ao ver alguém nas condições preferenciais entrando no ônibus.

Exemplo de chineses da vida real.
Pois é, já vi muita gente fingindo dormir para não ceder lugar no ônibus aqui, também! Em uma ocasião, inclusive, em que cedi meu lugar para um senhor obviamente muito mais idoso do que eu, o tal senhor me agradeceu muito e comentou com o John como era difícil encontrar jovens educados hoje em dia. Hum, interessante… Parece até que já ouvi exatamente a mesma reclamação vinda de idosos de onde, mesmo? Ah, é! Do Brasil!

Outro exemplo extremamente vasto que posso utilizar na minha ilustração são as filas, para qualquer coisa. Mas, hem, que filas?

Chineses - essas criaturas mitológicas tão educadas e transcendentais - não são muito fãs de fazer fila. O que prevalece aqui é a cultura do "quem chegar por último é mulher do padre". Ao invés de filas, o que se vê nas portas de ônibus, cinemas, atrações turísticas, etc, são aglomerados de gente que não se intimida em passar por cima de quem estiver por perto para chegar na frente. E isso, amiguinhos, inclui aquelas mesmas pessoas em condições preferenciais que citei ali em cima. Não importa se a pessoa ao lado é idosa, deficiente ou grávida, ainda vai ter uma montanha de chineses passando por cima dela para chegar na frente.
"Nossa, Tati, então o que você está dizendo é que chineses são gente super sem educação e respeito pelos outros???"
Ei, não, calma aí! Não venham interpretar errado o que eu disse aqui! Eu só tenho uma única e singela intenção com este post, e nem de longe ela é inverter o jogo e fazer vocês acreditarem que chineses são isso ou aquilo. O que eu quero é que parem com essa síndrome de vira-lata, de achar que tudo o que é de fora é melhor e que brasileiro é o pior povo do mundo. O que eu quero é que entendam o que eu repeti à exaustão toda vez que alguém no Brasil me perguntava: "E aí, como é morar na China?".
Gente é gente em todo lugar.
Nem melhor, nem pior. Diferente? Sim, e ainda bem, né?

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Obs.: Para quem sentiu minha falta e estranhou o layout do blog ao chegar aqui, explico. Uma das minhas principais razões por ter sumido por tanto tempo foi que tive uma crise conjugal com o layout antigo, que terminou em divórcio e conseqüente falecimento do dito layout. Como 1. não sou webdesigner e 2. perdi a paciência de procurar layouts que me agradem, resolvi deixar assim, no básico, até segunda ordem. Sobre se vou voltar a escrever com mais freqüência, não vou prometer nada. Vai depender da inspiração e da transpiração. Mas, como sempre, agradeço a quem gosta de ler o que eu rabisco por aqui. =)

3 comentários:

Mariana Leutwiler disse...

AEEEEEEEEE!!!!


- a irmã.

Unknown disse...

ebaaa!!! até que enfim....Como sempre, muito bom!!!

Anônimo disse...

Tati adoro ler os seus textos, muito divertidos e sensatos ^^
caio seu maninho