terça-feira, 29 de outubro de 2013

Negócio da China

A China anda expandindo cada vez mais seus negócios, e cada vez mais negócios do mundo inteiro andam expandido para dentro da China. Mas para quem nunca teve nenhum tipo de contato com chineses, a forma como eles fecham negócios pode parecer no mínimo… diferente.

Engana-se quem pensa que negócios são fechados com chineses dentro das quatro paredes de um escritório. As quatro paredes entre as quais se discutem os assuntos mais importantes são aquelas de um bom restaurante.

A primeira coisa sobre ir a um restaurante chinês - e aqui não me refiro àqueles restaurantes "do povo", de higiene meio duvidosa, mas sim a restaurantes de média e alta qualidades - é que a maioria possui duas áreas: a área comum, com mesas e clientes que só estão lá à procura de um almoço ou jantar; e a área "VIP", onde se encontram salas especiais para almoços e jantares privados. Qualquer restaurante que se preze tem pelo menos umas três salas reservadas, que podem variar desde uma sala simples com uma grande mesa redonda até uma suíte com sala de estar, copa e banheiro privados, além de uma TV com karaokê (chineses simplesmente amam karaokê).

Cada uma destas salas é atendida por uma equipe especializada de garçons e garçonetes - por sinal, a qualidade do setor de serviço na China é algo que deixarei para um post futuro. As mesas são geralmente grandes - acomodam de 5 a 15 pessoas -, redondas e com um disco giratório ao centro, onde é servida a comida.

Ah, a comida… Se você for uma daquelas pessoas que já passeou pela Liberdade e acha que por isso sabe tudo sobre comida chinesa, esqueça. Se você diz que gosta de comida chinesa porque adora pedir um yakissoba no boteco da esquina, esqueça mais ainda. Comida chinesa tem muito pouco ou quase nada a ver com aquilo que conhecemos no Brasil.

Mas como estou falando de um almoço ou jantar de negócios - e o mesmo vale para almoços e jantares comemorativos, de aniversário ou coisa parecida -, a comida não importa. Ela não está lá para ser a protagonista, nem mesmo a segunda da fila.

Marque bem minhas palavras: se você for convidado para um almoço ou jantar na China, entenda que a comida é o que menos importa neste convite. A função da comida é simplesmente a de ser uma desculpa para o real protagonista: o baijiu.

O baijiu é a bebida tradicional da China. Em geral ele é feito de arroz, mas também há variantes com trigo e outros cereais. A gradação alcoólica do baijiu é entre 40 e 70% (no link da Wikipedia diz entre 40 e 60%, mas já vi - e bebi - baijiu de 68%). Ou seja, muito maior do que a maioria das bebidas ao redor do mundo.

O baijiu é transparente, como água ou cachaça, e tem um aroma bastante forte. A princípio ele tem um gosto bastante estranho para quem não está acostumado, mas depois de várias ocasiões já posso dizer que até gosto dele agora.

E os almoços ou jantares se seguem assim: cada pessoa tem uma jarrinha na qual o baijiu é servido, e uma taça bem pequenininha, onde ele é bebido. E, assim que começa o almoço ou jantar, começam também os brindes.

Brindar com o baijiu é sinal de grande respeito, e portanto todos devem fazê-lo ao menos uma vez. A não ser que você tenha uma desculpa muito boa - como um problema sério no fígado ou tome alguma medicação forte que não possa ser misturada com álcool -, suas chances de escapar de um brinde com baijiu são mínimas. E os brindes não páram por aí: cada pessoa tem que brindar pelo menos uma vez com cada uma das outras pessoas na mesa - e no mínimo duas ou três com o anfitrião. 

A ordem dos brindes é mais ou menos assim: o anfitrião brinda com cada convidado ou grupo de convidados - diretores de uma mesma empresa, por exemplo, brindam juntos -, depois cada convidado ou grupo de convidados brinda entre si, depois com o anfitrião. Algumas vezes o anfitrião voltará a brindar com algum convidado específico, outras vezes não. E, caso alguém de hierarquia superior à sua venha brindar com você, o educado é você ir brindar com ele um tempo depois. 

A cada brinde, é esperado que você vire uma taça inteira de baijiu. Nada de só molhar os lábios, não. Após o brinde, há a tradição de virar a taça para mostrar que está vazia. 

Uma coisa muito importante ao brindar com um chinês é saber onde tocar um copo no outro. Ao brindar com pessoas de hierarquia superior, sempre mire a boca do seu copo ou taça abaixo da boca do outro copo. Quanto mais diferença de hierarquia, mais baixo você deve mirar. É considerada uma grande gafe brindar acima de alguém superior, apesar de haver tolerância com os gringos. Mirar baixo é, portanto, uma ótima forma de mostrar que conhece e respeita os costumes locais.

Obviamente, após 20 minutos de brindes, todos já estarão pra lá de Bagdá - e este é o momento ideal, caso você ainda esteja sóbrio o suficiente, para fingir que bebeu tudo ou até mesmo tentar disfarçadamente servir água ao invés de baijiu para brindar. A comida, esta personagem do elenco de apoio, estará lá para ajudar os convidados a se manterem em pé. E os brindes não param por aí: quanto mais eles bebem, mais querem brindar. E aí brindam pela saúde do filho, do cachorro, do periquito, do peixinho dourado do vizinho do quarto andar…

Aí você poderia pensar que, bom, se já estão todos muito bêbados, o almoço ou jantar termina por aí, certo? Errado! Nesta hora começam as tradicionais rasgações de seda entre os convidados e o anfitrião. E, se for um grupo de pessoas animadas, elas podem começar a cantar.

Sim, aqueles homens sérios, de ternos e engravatados, se levantam - se segurando na mesa para não cair - e começam a entoar suas canções favoritas. Algumas vezes até seguram um lencinho para enxugar as lágrimas no canto do olho.

Então, após no mínimo uma hora e meia de reunião - na qual negócios são discutidos, também, não tenham dúvida -, é hora de ir. Todos se levantam, se equilibrando o melhor que podem, e saem felizes, algumas vezes até abraçados ou de mãos dadas. Em geral todos sabem quem é o anfitrião e não há discussão para pagar a conta, mas no caso de refeições entre amigos ou família esta discussão pode tomar mais uns bons 15 minutos antes de irem embora.

E é assim, entre baijiu e canções, que negócios são fechados, aniversários são celebrados e conquistas são comemoradas na China. E você que pensava que chineses eram um povo fechado e mal-humorado, hem?

domingo, 20 de outubro de 2013

Huhehaote

Que moro na China, isso todo mundo já sabe. Que moro em Hohhot, quem fuçou a aba "Quem Escreve?" ali em cima também já sabe. Mas afinal de contas, que diabos é Hohhot?

Hohhot ou Huhhot são os nomes ocidentais de Huhehaote, a capital da Região Autônoma da Mongólia Interior. Para quem não sabe, a China é composta de províncias - quantas exatamente sempre é motivo de discussão. Algumas destas províncias, entretanto, possuem algumas (ou muitas) leis e costumes diferentes, e são oficialmente chamadas de Regiões Autônomas.

De acordo com a Wikipedia, a população era de 1,4 milhões de habitantes no ano 2000, mas a verdade é que pelo que andei notando os censos divergem muito por aqui, e a contagem atual varia entre 3 e 6 milhões.

De qualquer forma, é uma cidade que seria considerada grande no Brasil e em praticamente qualquer outro lugar do mundo. Mas aqui é a China, o país com 1,3 bilhões de habitantes, e uma cidade com 6 milhões de habitantes é uma cidade de tamanho médio. 

De fato, como uma boa parte da população da maioria das cidades aqui ainda vive na zona rural, a área urbana realmente não impressiona. Em um dia sem trânsito um táxi leva entre 40 minutos e 1 hora para atravessar a cidade de Leste a Oeste. Mais ou menos o mesmo tempo que alguém leva para atravessar Campinas, por exemplo, uma cidade de pouco mais de 1,3 milhões de habitantes.

A Mongólia Interior não tem este nome por acaso. Apesar de hoje ser uma província da China, no passado esta região fazia parte do país de Genghis Khan. Isso influenciou muito a região, que tem cultura, comida e arquitetura muito diferentes dos outros lugares na China em que já estive.

Começando pela língua. A língua oficial e mais falada aqui é o chinês mandarim, assim como na maior parte da China. Porém eles também falam um dialeto local, que é uma espécie de mistura de mandarim com sotaque carregado e um pouco de mongol. O John, que fala mandarim, tem bastante dificuldade de entender as pessoas aqui quando elas começam a usar esse dialeto.

Além disso, muitas pessoas são descendentes diretas dos mongóis, e por isso a língua materna delas é o mongol - a mesma falada na Mongólia, o país - e não o mandarim. Esta língua está tão presente por aqui que lojas e alguns produtos fabricados aqui usam os caracteres mongóis logo em cima dos chineses nos rótulos e nomes.

Hohhot também tem uma grande população muçulmana. O islamismo funciona por aqui da mesma forma como o catolicismo funciona no Brasil: muitas pessoas realmente seguem a religião, outras apenas têm esta religião como tradição familiar, mas não freqüentam o templo nem seguem todas as regras à risca. Por isso não é tão fácil saber dizer com certeza quem é ou quem não é muçulmano. A tia do John, por exemplo, é muçulmana mas não usa véu e não tem problema nenhum de tirar fotos de maiô. Ou seja, aquela velha visão ocidental de que muçulmanas sempre usam véu - ou burca - é, obviamente, mais do que furada.

A influência muçulmana pode ser vista claramente na arquitetura. Fico devendo fotos que ainda não tirei - shame on me. As construções na região Oeste e mais antiga da cidade são belíssimas, com arcos e abóbodas típicas dos países muçulmanos.

Assim como toda a China, Hohhot está em expansão. Novos prédios sendo construídos podem ser vistos por toda a cidade - principalmente na região Leste, onde eu moro. A velocidade das mudanças é tão rápida que John disse que há 3 anos não havia nada neste lado da cidade. Agora é uma floresta de prédios, shoppings e parques.

Como em qualquer grande cidade - especialmente na China -, o ar por aqui é bastante poluído. Mas a mentalidade parece estar dando mostra de mudança, já que Hohhot é uma cidade com várias praças, parques e uma quantidade razoável de árvores.

No geral, acho Hohhot uma cidade charmosa e bastante receptiva. Ainda estamos explorando os cantos obscuros daqui - e é claro que eles existem. E, como já me estiquei demais neste post, deixo para falar sobre a comida e o trânsito no futuro. Porque eles merecem um post apenas para eles. Ah, se merecem…


Nota: Por alguma razão, a internet na minha casa não é das mais estáveis e por isso não consigo fazer upload de nenhuma foto para o blog. Para não deixar meus posts uma longa chatice sem ilustrações, minha irmã, Mariana, será a encarregada de upar as fotos para meus posts. Obrigada, Mari! =D

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

The Great Firewall of China

Ah, a China… A terra dos filhos do dragão, o país que a Mulan ajudou a salvar, o Império das Grandes Muralhas… Ahn? No plural?

Para quem não acompanha jornais e não sabia, a China possui duas Grandes Muralhas. Uma é aquela que levou 800 anos para ficar pronta, que corta as montanhas ao norte do país como uma grande serpente se estendendo ao infinito. A outra, menos Maravilha do Mundo e mais irritante, é conhecida como The Great Firewall of China (a tradução não funciona direito porque não existe uma tradução para "firewall", que são aqueles programinhas que impedem que seu computador acesse sites perigosos).

A China é provavelmente o país que mais abertamente censura a internet. Redes sociais como Facebook e Twitter, além de alguns sites considerados "perigosos" ao governo são completamente censurados (exceto em Hong Kong, que é uma região autônoma e por isso têm leis bem mais brandas com relação à internet). Isso significa que se uma pessoa tenta acessar algum dos sites na lista de bloqueados, vai dar como página não encontrada.

Isso não significa, no entanto, que os chineses não possuem acesso a redes sociais. Eles têm o QQ (lê-se como em inglês, "quiu-quiu"), que é uma mistura de MSN com Facebook e e-mail. E é tudo o que eles precisam e usam.

Eu, no entanto, não sou chinesa e (ainda) não sei falar chinês. E tenho família e amigos com quem seria muito difícil - pra não dizer impossível - manter contato sem usar as redes sociais ocidentais. Além disso, alguns serviços do Google também são bloqueados aqui. O site de pesquisa funciona, o Gmail e o Google Play funcionam quando querem, mas o Youtube e o Blogger - este aqui através do qual vocês me lêem agora - são totalmente bloqueados.  Por isso, precisei procurar a melhor forma de conseguir driblar a censura e acessar meus sites preferidos.

Depois de uma longa pesquisa - e algumas tentativas fracassadas - finalmente consegui um programa que funciona perfeitamente e desvia o meu IP (o "documento de identidade" do meu computador, que informa de onde no mundo eu estou acessando a internet) para outro país - no caso, os EUA. Só que, claro, nada que é bom é de graça e por isso tive que desembolsar 160 dólares para usar o programinha por um ano. O que eu não faço pelos amigos…

Mas agora ao menos tenho acesso livre aos sites "proibidos". E não se preocupem - já me perguntaram isso -, não há perigo do governo descobrir. Na verdade, usar esses programas não é exatamente contra a lei. Pelo menos é o que me disseram…

Quanto ao blog, quem já me acompanhava em outros lugares sabe que eu não sou exatamente uma blogueira regular e muitas vezes sumo por um longo tempo. Como eu também sou leitora de blogs (há uma pequena lista deles na aba "Gostei daqui. Tem mais?" ali no topo da página), sei o quanto é chato ficar esperando por uma atualização que nunca vem. Por isso, estou tentando me disciplinar e começar uma rotina de postar no mínimo duas vezes por semana. A princípio escolhi segundas e quintas para "me obrigar" a escrever, e tentarei seguir esta regra. Avisarei na página do Facebook quando houver post novo, então quem quiser é só dar um "like" por lá.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Morando na China

Para quem já acompanhava algumas de minhas aventuras no meu outro blog, olá! Para quem está lendo pela primeira vez algo escrito por mim, dou as boas vindas!

Pois é. Depois de passar um mês e meio viajando pela terra do Dragão, acabamos recebendo a oferta de mudar de vez para cá e dar aulas de inglês em uma universidade na Mongólia Interior. Com a cara e a coragem (e o fato de que o marido fala chinês), juntamos nossas trouxinhas e viemos.

Hoje, dia 10 de outubro de 2013, completamos exatamente um mês morando em Hohhot. E, como eu já havia prometido a algumas pessoas, resolvi finalmente inaugurar este blog para dividir com os amigos e a família que ficaram lá no Brasil as experiências - boas e ruins - pelas quais passamos por aqui.

Para quem está acostumado com meus relatos no outro blog, aviso que os textos aqui podem ser um pouco diferentes. Primeiro porque a maioria dos relatos aqui não serão em forma de diário, como costumavam ser. E segundo porque quem escreve sabe que às vezes a gente gosta de variar um pouco o estilo; é como mudar o corte ou a cor do cabelo, às vezes o anterior enjoa um pouco e a gente quer testar coisas novas.

Enfim, sejam todos muito bem-vindos a este meu novo pedacinho na terra da internet e não tenham vergonha de usar o botãozinho de comentários aí embaixo!