segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Antes de subir ao altar

"Professora, é verdade que em países ocidentais um homem não precisa ter uma casa para poder se casar?"
Foi com essa pergunta que uma das minhas alunas particulares não me surpreendeu ao final de uma aula em que eu tinha passado os últimos 20 minutos explicando conceitos completamente alienígenas para ela, tais como "morar junto sem se casar" e "mães/pais solteiros". 

A verdade é que até menos de dois anos atrás, a pergunta teria me deixado tão chocada quanto ela ficou ao ouvir minha resposta. Agora, conhecendo melhor os hábitos chineses, eu simplesmente dei a mesma risada que a gente dá quando uma criança pergunta se chove porque os anjos estão lavando o céu ou se as pessoas na TV podem ver a gente do outro lado. Mas como vocês, leitores queridos, devem estar se perguntando o que motivou a dúvida da minha aluna, vou explicar como funciona a vida amorosa dos chineses.

Primeiramente, eles não costumam namorar muito jovens. Vários alunos com quem conversei tiveram namorados/as no Ensino Médio ou até no fim do Fundamental, mas em todos os casos o namoro era completamente escondido dos pais. Na faculdade começa a ser mais aceitável ter um relacionamento, mas eles só chegam a apresentar o/a amado/a para a família depois de muitos anos juntos.

Aí eles terminam a faculdade, e a verdadeira corrida começa. A idade ideal para se casar - de acordo com os pais - é em torno dos 27 anos, o que significa que ao terminar a faculdade com 24 você deve já estar em ou imediatamente engatar um namoro, para dar tempo de se conhecerem o suficiente até o casamento.

"Alugue um namorado para levar para casa no feriado - por RMB 9999"
"Cadê a namorada?", os pais perguntam. "Você está ficando velha, precisa namorar!", eles dizem. Insistem tanto, e tanto, que nos sites de compras pela internet - como o Mercado Livre do Brasil - existe um negócio bastante lucrativo que é chamado de "namorado/a de aluguel". Por preços módicos (ou nem tanto), você pode alugar uma pessoa para viajar com você para a casa dos pais no Ano Novo Chinês e dizer para todo mundo que vocês estão juntos.


Conforme você vai chegando perto dos 30 e ainda não encontrou alguém, vai aumentando o risco da sua família interferir. Encontros às escuras marcados pelos pais, assim como "mercados de filhos" - lugares onde os pais podem colocar um anúncio, bastante direto, sobre seus filhos encalhados - têm uma grande chance de acontecerem. E, se você for uma mulher solteira com mais de 27 anos, vai ter que agüentar ser chamada de "sobra" e perguntas vindas de completos estranhos sobre o que tem de errado com você para ainda não ser casada (e não, isso não acontece pelas costas da mulher, nem entre sussurros; é em alto e bom som, na frente dela e para ela).

"Mulher, 28 anos, 1,55m, 45kg. Sabe cozinhar."
Só que calma lá, pequenos pirilampos. Não é só você (ou sua família) arrumar a primeira pessoa que passar na frente e vocês estarão em paz para seguir suas vidas juntos. Quando o/a jovem chinês/a finalmente encontra sua cara-metade, o jogo passa para a próxima fase: Será que ele/ela é bom o suficiente?

Mas o que é ser bom o suficiente, para uma família chinesa? Sim, é claro que ser uma pessoa honesta, trabalhadora e que trate bem seu/sua filhinho/a é importante, mas não é tudo.
Primeiro passo: ter um trabalho estável e que dê dinheiro. É inconcebível para os chineses um casal subir ao altar sem que ambos tenham um bom emprego. Também é extremamente importante que o futuro marido ganhe um salário consideravelmente maior do que a futura esposa, além de não ser bem-visto que um homem se case com uma mulher com mais formação acadêmica do que ele - obrigada, patriarcado
Segundo passo: conferir se as famílias têm mais ou menos as mesmas condições financeiras. Não é bem visto aqui uma pessoa se casar com alguém de classe social muito abaixo ou acima da sua própria família (sim, eu sei, "mas, Tati, não é país comunista, como assim tem classes sociais?"... oh, darling…). Também é importante que as famílias venham de origens semelhantes, como por exemplo que sejam ambas do campo ou da cidade.
Terceiro passo: ter uma casa mobiliada e um carro na garagem. Eis aí a origem da pergunta que me inspirou a escrever este post. É tradicional que, antes de se casarem, a família do noivo dê uma casa para o futuro casal. À família da noiva cabe mobiliar a casa e/ou dar um carro, dependendo das condições financeiras da família. 

"E onde fica o amor?", vocês podem me perguntar. Eu mesma, há dois anos e ainda em choque cultural, fiz esta pergunta aos meus alunos. "Amor, professora? Ah, é importante… Mas também, se não amar quando casar, aprende a amar depois." Foi assim, de forma bastante prática e sem rodeios, que eles me responderam. E é assim, extremamente pragmáticos, que os chineses seguem suas vidas profissionais, sociais, amorosas. Se é melhor ou se é pior, não cabe a mim (e nem a vocês, meus queridos flamingos) julgar. Se posso tirar disso pelo menos um ponto positivo, é que em minha visão o modo chinês de ser me soa bem menos mascarado e desonesto do que o que estamos acostumados. Mas isso talvez seja assunto para outro post...

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Meus queridos guaxinins, fui apresentada recentemente à nova plataforma de blogagem Medium. Gostei muito do formato e do visual, então a partir de hoje estarei migrando para lá. Ainda atualizarei este blog, já que por lá não irei me limitar apenas aos relatos sobre a China, mas para quem quiser me seguir na outra plataforma, minha url é http://medium.com/@naosouclarice

Um comentário:

Unknown disse...

senti lisonjeado pelo adjetivo "flamingo" :P
ahauhauhauahuahuahuahuahuahauhauhahauhau

nossa tbm me choquei com o "aprenderemos depois"
bom com buscar namorada para os filhos... minha mãe sempre esteve buscando, graças a deus que na época ela não mexia no facebook :P

caio